Dos anos na Câmara, à Presidência e à prisão: a trajetória do ex-presidente Jair Bolsonaro
Preso neste sábado (22) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, o ex-presidente Jair Bolsonaro tem uma trajetória rara na política brasileira. Ele surpre...
Preso neste sábado (22) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, o ex-presidente Jair Bolsonaro tem uma trajetória rara na política brasileira. Ele surpreendeu o país ao se eleger para o cargo mais alto da República em 2018. Candidato por um partido pequeno e com pouco tempo de televisão, venceu as eleições com uma campanha centrada nas redes sociais, na retórica antissistema e no resgate de valores da direita conservadora. Capitão reformado do Exército e deputado federal do chamado “baixo clero” por quase três décadas, Bolsonaro capitalizou o sentimento de antipetismo que crescia desde os protestos de 2013 e os escândalos de corrupção que atingiram o Partido dos Trabalhadores (PT). Seu governo foi marcado por uma relação turbulenta com os outros Poderes, por uma atuação negacionista durante a pandemia de Covid-19 e por tentativas sistemáticas de minar a confiança nas urnas eletrônicas e no sistema eleitoral brasileiro. Após deixar o governo, ele passou a responder a processos na Justiça, até a condenação por golpe de Estado, em setembro. A prisão é preventiva, ou seja, não tem data determinada para acabar. Moraes tomou essa decisão para garantir a ordem pública, já que, segundo o ministro, foi convocada uma vigília na porta do condomínio onde mora o ex-presidente com o objetivo de evitar que ele fosse preso. Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses pela tentativa de golpe. Não é por essa condenação ainda que ele está preso,, já que o prazo dos recursos ainda está em aberto. O fim dos recursos e a prisão por condenação devem ocorrer nos próximos dias. Como a condenação de Bolsonaro é superior a oito anos (27 anos e 3 meses), ele deverá iniciar a execução da pena em regime fechado, ou seja, na cadeia. Assim, deve emendar a prisão preventiva com a prisão pela condenação. Primeiros anos e carreira militar Jair Messias Bolsonaro nasceu em 21 de março de 1955, em Glicério (SP), e foi registrado em Campinas. Filho de Percy Bolsonaro, dentista prático, e Olinda Bonturi, passou a infância em cidades do interior paulista até se fixar com a família em Eldorado (SP). Na juventude, ingressou na carreira militar ao ser aprovado na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, depois na Academia Militar das Agulhas Negras, formando-se em 1977 como oficial da Artilharia. Na caserna, Bolsonaro fez cursos especializados, como o de paraquedismo, e chegou ao posto de capitão. Mas sua trajetória militar terminou em meio a controvérsias. Foi punido após publicar artigo criticando os salários da tropa e acabou acusado de planejar atentados com explosivos em quartéis, conforme reportagem da Veja. Embora tenha negado o plano, o episódio marcou sua transição da vida militar para a política. A longa trajetória no Congresso Em 1988, Bolsonaro se elegeu vereador no Rio de Janeiro. Dois anos depois, iniciou sua carreira como deputado federal, cargo que ocuparia por sete mandatos consecutivos. Na Câmara, ganhou fama como defensor intransigente das Forças Armadas e de pautas conservadoras. Durante anos, ficou à margem dos debates centrais do Legislativo, mas acumulou notoriedade entre segmentos da população que se viam sem representação. Foi também como deputado que Bolsonaro protagonizou polêmicas que o tornaram figura nacional. Em 2016, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff, prestou homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido como torturador durante a ditadura militar. Para seus críticos, esse gesto sintetizava sua visão autoritária; para seus apoiadores, era um aceno à ordem e à disciplina. A eleição de 2018: redes sociais, antipetismo e discurso de ruptura A eleição de 2018 marcou a virada de Jair Bolsonaro de figura periférica a protagonista da política nacional. Sem tempo de TV, com pouco apoio partidário e após sair do PSL para o pequeno Partido Liberal, venceu uma campanha altamente polarizada, marcada por sua retórica anticorrupção, conservadora nos costumes e liberal na economia. O atentado a faca sofrido em Juiz de Fora (MG) durante a campanha contribuiu para a sua ascensão ao impedir sua participação em debates, ao mesmo tempo em que reforçava a imagem de “guerreiro contra o sistema”. No segundo turno, derrotou Fernando Haddad (PT) com mais de 55% dos votos, levando a direita ao poder com forte apoio das redes sociais e de movimentos evangélicos e militares. Governo: reformas, pautas de costume, negacionismo e conflitos institucionais Ao assumir a presidência, Bolsonaro nomeou uma equipe ministerial que combinava militares, quadros ideológicos e nomes técnicos. Paulo Guedes, na Economia, ficou com carta branca para implementar uma agenda liberal, baseada na promessa de ajuste fiscal, redução do tamanho do Estado e abertura econômica. Sob sua gestão, o governo aprovou uma das principais reformas do mandato: a reforma da Previdência, promulgada em 2019, após articulação no Congresso. Na prática, porém, o ajuste fiscal teve alcance limitado. O crescimento do PIB foi tímido — com exceção de um pico em 2021 após a forte queda de 2020 — e a dívida pública seguiu em trajetória ascendente. A prometida abertura da economia foi adiada, e medidas estruturais, como a reforma tributária, não saíram do papel. Paralelamente, Bolsonaro adotou uma agenda de costumes agressiva. Incentivou projetos que facilitaram o acesso a armas de fogo e mobilizou sua base parlamentar e digital contra temas ligados à diversidade, educação sexual e questões ambientais. Conflitos com o STF, governadores e a imprensa foram constantes. Durante a pandemia de Covid-19, Bolsonaro adotou postura negacionista: minimizou os efeitos do vírus, ironizou o uso de máscaras, atrasou a compra de vacinas, promoveu medicamentos sem eficácia comprovada e confrontou as medidas sanitárias adotadas por estados e municípios. A crise sanitária somou mais de 700 mil mortes no país e deixou marcas profundas em sua gestão. Queda de popularidade, tentativa de reeleição e atos golpistas Bolsonaro tentou a reeleição em 2022, com o general Braga Netto como vice. Reeditou o embate com o PT e atacou repetidamente o sistema eleitoral. Organizou motociatas, comícios e manifestações, e chegou a reunir embaixadores para espalhar suspeitas infundadas sobre as urnas eletrônicas. Em outubro, foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, na eleição mais acirrada da história recente do país. Após o resultado, manteve-se em silêncio por semanas e viajou aos EUA antes mesmo de transmitir a faixa presidencial. A ausência alimentou teorias golpistas entre seus apoiadores. Em 8 de janeiro de 2023, milhares deles invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Embora tenha negado envolvimento, investigações posteriores apontaram que Bolsonaro estimulou, nos bastidores, ações para deslegitimar a eleição. Busca por anistia Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral o declarou inelegível por oito anos, por abuso de poder político na reunião com embaixadores estrangeiros. No ano seguinte, o Supremo Tribunal Federal o tornou réu por tentativa de golpe de Estado — a primeira vez que um ex-presidente da República respondia formalmente por esse tipo de crime. Em setembro de 2025, ele foi condenado a Desde então, Bolsonaro passou a articular, junto a aliados, uma proposta de anistia ampla aos envolvidos nos atos golpistas. Participou de manifestações públicas, percorreu o país em busca de apoio e fez reiteradas declarações de que “não iria preso”. A despeito de seu desgaste político e jurídico, continuava como figura central da direita brasileira.