Plantas amazônicas serão testadas no espaço para tratamento de Alzheimer
Chacrona (Psychotria viridis) é uma da plantas selecionadas para o estudo renatagi/iNaturalist A Amazônia é um dos principais biomas reconhecidos mundialment...
Chacrona (Psychotria viridis) é uma da plantas selecionadas para o estudo renatagi/iNaturalist A Amazônia é um dos principais biomas reconhecidos mundialmente por sua biodiversidade, e certamente, dispõe de uma vasta variedade de plantas. Muitas delas possuem propriedades medicinais conhecidas e utilizadas por povos indígenas há gerações. Alysson Renato Muotri, médico e neurocientista da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), quer utilizá-las para uma pesquisa inovadora: ele pretende levar espécies de plantas do bioma brasileiro a um território inusitado: o espaço sideral. O pesquisador planeja enviar espécies amazônicas para fora da Terra com um propósito inovador. Ele pretende testar seus compostos em “minicérebros”, que são organoides cerebrais desenvolvidos em laboratório, para avaliar como essas plantas podem contribuir no tratamento de doenças neurodegenerativas. O médico e neurocientista da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), Alysson Renato Muotri, idealizador do estudo Arquivo pessoal “Os ensaios vão revelar quais plantas, seja em forma de extratos ou de moléculas isoladas, exercem algum efeito neuroprotetor ou terapêutico para condições relacionadas ao envelhecimento, como Alzheimer, Parkinson, demência e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)”, explica Muotri. Os ‘‘minicérebros’’ são definidos como organóides, ou seja, são pequenas estruturas fisiológicas tridimensionais, que imitam órgãos reais em aparência e função a partir de células-tronco, e podem se transformar em neurônios por exemplo, sendo extremamente úteis para a ciência na realização de testes. A ida do cientista brasileiro ao espaço ainda não tem data definida, pois os Estados Unidos enfrentam um cenário de redução de gastos com a ciência. Mesmo assim, a proposta central da missão permanece sendo a aceleração de resultados. Células de neurônios Alysson Muotri No ambiente espacial, células e tecidos tendem a envelhecer mais rapidamente do que na Terra por causa da chamada microgravidade, condição em que pessoas ou objetos praticamente não sentem o peso, a mesma que permite aos astronautas a conhecida “flutuação” no cosmos. Esse fenômeno acelera o envelhecimento de células-tronco e de diferentes tipos de tecido. Dessa forma, doenças podem atravessar seus estágios de progressão de maneira mais rápida, o que abre a possibilidade de testar, em menos tempo, os efeitos de compostos vegetais sobre condições neurodegenerativas. Importância dos povos originários É amplamente conhecido que uma parcela significativa dos medicamentos usados no mundo tem origem vegetal. Quando se soma isso à enorme diversidade de espécies presentes na Amazônia, o potencial para descobertas terapêuticas se torna ainda maior. Povos indígenas utilizam há séculos diferentes plantas para tratar enfermidades, e esse conhecimento tradicional tem papel central no projeto. Entre eles, os Huni Kuin, que vivem entre o Acre e o Peru, foram fundamentais na seleção das espécies analisadas. Os Huni Kuin vivem entre o Acre e o Peru Nara Mattos/Ainbu Daya “Os Huni Kuin nos ajudam a identificar plantas com potenciais efeitos neuroativos e explicam como elas são usadas na prática: qual parte da planta empregar, como preparar, onde colher, entre outros detalhes”, afirma Muotri. Segundo o pesquisador, há planos de expandir a iniciativa para incluir o conhecimento de outras comunidades indígenas. A relevância desse saber tradicional é reforçada por dados científicos. Um estudo publicado na revista Toxicon, uma das principais referências mundiais em toxinologia, mostra que cerca de 25% dos medicamentos prescritos globalmente têm origem vegetal. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, entre 252 medicamentos considerados básicos e essenciais, 11% são exclusivamente derivados de plantas. “Acredito que, por muito tempo, a ciência moderna se distanciou do conhecimento ancestral. Muito do que sabemos hoje vem das tribos originárias e da biodiversidade amazônica. Estamos tentando unir esses dois saberes em benefício da humanidade”, diz. Afinal, quais plantas serão utilizadas? As espécies que serão utilizadas para estudo, são a Chacrona (Psychotria viridis) e Jagube (Banisteriopsis caapi). Jagube (Banisteriopsis caapi) jorgecaceres0303/iNaturalist Ambas compõem a bebida Nixi honi xuma, como é chamada pelos Huni Kuin, mais conhecida no mundo ocidental como ayahuasca. Tradicionalmente utilizada em rituais de diversos povos indígenas, a bebida reúne propriedades medicinais e simbólicas que fazem parte da cosmologia e dos sistemas de cura dessas comunidades. Segundo o neurocientista, outras plantas também farão parte dos experimentos. No entanto, ele prefere manter a lista em sigilo para não comprometer o andamento da pesquisa. Algumas das espécies já são conhecidas e catalogadas, enquanto outras permanecem totalmente inexploradas. Dados do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) estimam que a Amazônia abrigue mais de 40 mil espécies de plantas. Diante dessa imensidão, tentar adivinhar quais seriam as espécies “misteriosas” é praticamente impossível. Ainda assim, o cenário reforça a importância do bioma para a descoberta de novos compostos bioativos: a floresta concentra uma das maiores diversidades vegetais do planeta e guarda inúmeras espécies que a ciência ainda conhece pouco, e que podem revelar potenciais terapêuticos inéditos. *Texto sob supervisão de Fernanda Machado VÍDEOS: Destaques Terra da Gente Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente