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Resíduo radioativo trava desmonte de 1ª mina de urânio do Brasil, fechada há 30 anos

Fechada há 30 anos, 1ª mina de urânio do Brasil busca solução para resíduo radioativo Fechada desde 1995, a primeira mina de urânio do Brasil precisa res...

Resíduo radioativo trava desmonte de 1ª mina de urânio do Brasil, fechada há 30 anos
Resíduo radioativo trava desmonte de 1ª mina de urânio do Brasil, fechada há 30 anos (Foto: Reprodução)

Fechada há 30 anos, 1ª mina de urânio do Brasil busca solução para resíduo radioativo Fechada desde 1995, a primeira mina de urânio do Brasil precisa resolver um grande desafio ambiental antes de ser desmontada. 📲 Siga a página do g1 Sul de Minas no Instagram A unidade da INB - Indústrias Nucleares do Brasil em Caldas (MG) produziu, nos anos 1980, 1,5 mil toneladas de concentrado de urânio que abasteceu a usina de Angra I e ajudou a alavancar o programa nuclear brasileiro. Três décadas após o fim das operações, a área ainda precisa ser recuperada, mas, antes, a estatal terá de dar destino a milhares de toneladas de resíduos radioativos armazenadas em galpões e no seu subsolo. Em janeiro deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu à INB a primeira licença ambiental para iniciar o descomissionamento da mina. 🔎 A exploração de urânio é monopólio da União, e a INB é a única empresa autorizada a extrair e processar o minério no Brasil. 🪫Ao final da vida útil, uma mina deve passar pelo descomissionamento, processo de desativação e desmantelamento, para mitigar impactos ambientais e recuperar a área para outros usos. 🚩 A única mina de urânio em operação no Brasil está em Caetité (BA). O avanço do processo, no entanto, depende da definição sobre o destino de 11.334 toneladas de Torta II, resíduo radioativo resultante do tratamento químico da monazita para a retirada de terras raras, na antiga Nuclemon, em São Paulo, entre os anos 1950 e 1980, e que foi enviado para Caldas em meados dos anos 1990. "Trata-se de um concentrado com 50% de tório e cerca de 1% de urânio que é passível de aproveitamento, caso haja interesse do governo brasileiro", explica o tecnologista Alexandre Oliveira, da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN). Segundo a INB, são estudadas alternativas para a Torta II, como a venda ou envio para instalações licenciadas. Especialistas dizem que os rejeitos da produção nuclear são problema no mundo todo (leia mais abaixo). Cerca de 12 mil toneladas de resíduos radioativos, chamados de Torta II, estão estocadas em mina de Caldas (MG) Reprodução EPTV Motivo de apreensão O armazenamento da Torta II sempre foi motivo de apreensão no município de Caldas. A mina, que fica em uma área de 18 km², localizada a 12 km do centro urbano, está cercada por rios e córregos e ao lado de uma Área de Proteção Ambiental (APA). "O que mais incomoda é ter, há décadas, essa guilhotina em cima das nossas cabeças, que sequer é um passivo nosso, pois foi trazido de outro local e que aumentou muito o risco, porque toda a característica da mineração de urânio tem um DNA e esse passivo ambiental que chegou tem outro DNA, e a gente não estava preparado", afirma o ambientalista Daniel Tygel, da Aliança em Prol da APA da Pedra Branca. A Prefeitura de Caldas diz que a INB tem cumprido todos os compromissos estabelecidos com o município. As condições atuais de armazenamento da Torta II são consideradas adequadas pela ANSN. Conforme o órgão, o material está estocado em área controlada com proteção radiológica. O material está em 19,6 mil tambores de 200 litros, em uma quantidade semelhante de bombonas de 100 litros e em quatro silos cobertos, que são estruturas de concreto semienterradas. Os recipientes não estão totalmente preenchidos e, nos últimos anos, passaram por reforços da sua segurança. Os tambores, que apresentavam sinais de deterioração, foram sobre-embalados. Os galpões passaram por manutenção, com a troca de telhado e a substituição dos pallets de madeira por outros de metal. Galpões de armazenamento de Torta II na INB de Caldas passaram por melhorias com troca de pallets de madeira para outros de metal Reprodução EPTV Em 2021, a INB chegou a cogitar transferir para Caldas mais 1.179 toneladas de Torta II da unidade de Interlagos, em São Paulo. Mas após comoção popular e política, a transferência não aconteceu. Problema é mundial Segundo a professora do Departamento de Química da UFMG Nelcy Della Santina Mohallem, o Brasil não possui um espaço para a destinação adequada de resíduos radioativos. "A Torta II foi levada para Caldas porque não havia lugar para colocá-la. A gente tem ainda o lixo das usinas nucleares, que tem de ter um destino. Desde 1982 isso está sendo estudado", afirmou. Cava da mina de urânio da INB de Caldas foi preenchida com água e rejeitos da mineração Reprodução EPTV O problema não é exclusivo do país. Nações por todo mundo têm buscado solucionar o armazenamento de rejeitos radioativos. De acordo com a professora Nelcy, na Alemanha e em outros países, há o estudo de construção de depósitos geológicos profundos para o descarte dos resíduos. O governo alemão espera encontrar um local até 2031. A Finlândia foi a primeira a criar um depósito nuclear permanente de longo prazo do mundo, a 400 metros de profundidade no leito granítico do litoral oeste. Nos Estados Unidos, mais de 90 mil toneladas de lixo nuclear estão espalhadas por centenas de locais. Em 1987, uma lei federal apontou Yucca Mountain, em Nevada, como local permanente para o descarte, mas disputas políticas e jurídicas barraram o projeto. A questão foi parar na Suprema Corte, ainda sem resolução. LEIA TAMBÉM: Barragem de Rejeitos das Indústrias Nucleares do Brasil sai da situação de emergência Conselho muda decisão e autoriza mineração de terras raras no entorno de área de proteção ambiental em Caldas INB coloca à venda mais de 15 mil toneladas de 'Torta 2' armazenadas em unidade desativada em MG A difícil busca pelo depósito definitivo de lixo nuclear Urânio no sertão: projeto para extração divide opiniões no Ceará Além dos rejeitos das usinas nucleares, o Brasil possui vários tipos de materiais radioativos oriundos de diferentes setores industriais. Cada classe tem regras e riscos diferentes e não podem ser tratadas como se fossem um único tipo de resíduo, diz a ANSN. O governo federal está projetando o Centena - Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental, que deve ser o primeiro repositório de rejeito radioativo da América Latina e um centro tecnológico para estudos em gerenciamento destes materiais. Segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o centro armazenará "de forma centralizada, segura e definitiva resíduos gerados pelos setores nuclear, médico, industrial e agrícola". O projeto está na fase de licenciamento ambiental e seleção de local, com previsão de início para o fim de 2028 ou 2029. Mesmo se entrar em operação, o Centena pode não ser o destino da Torta II. Isso porque o material, que carrega em sua composição tório, urânio e terras raras, tem potencial para ser explorado comercialmente. "As mudanças tecnológicas podem transformar o que hoje é considerado passivo em recurso estratégico. A ANSN tem incentivado a indústria a procurar soluções de reinserção destes insumos na cadeia produtiva", afirma a coordenadora da unidade da ANSN em Poços e Caldas (MG), Daniela Rey Silva. A decisão cabe à INB. Oficialmente, a empresa diz que ainda não há definição sobre o destino dos resíduos estocados em Caldas. Entre as alternativas possíveis estão: acondicionamento definitivo na unidade; envio para instalações licenciadas; venda do material. Em junho de 2024, a INB lançou edital público de oferta de 15 mil toneladas de Torta II, estocadas em Caldas, Interlagos e Botuxim (município de Itu), no ano passado. Por falta de compradores, o certame foi prorrogado até dezembro deste ano. Material conhecido como Torta II está estocado em três locais, sendo dois em São Paulo e um em Minas Gerais Paulo Gaspar Desmonte: 30 anos para iniciar mais 30 anos para terminar A Torta II não é o único resíduo a ser resolvido pela INB. O projeto de descomissionamento demanda ainda soluções para os rejeitos provenientes da mineração de urânio. Entre eles, 15 milhões de m³ de rochas que foram retirados, passaram pelo processo de extração e ainda contêm minérios pesados. Estes detritos estão em duas enormes pilhas, responsáveis por um dos principais riscos ao ambiente dos arredores da mina: a água ácida, causada pela chuva que se infiltra e arrasta alguns elementos. A empresa diz que faz a captação e o tratamento das águas de forma contínua para seguir os padrões exigidos pelos órgãos ambientais. Mas parte dela escapa e atinge o Rio Soberbo. Relatórios do Ibama e de órgãos nucleares registram essa contaminação há anos, mas os índices, conforme os relatórios, estão dentro dos limites. Barragem de rejeitos da INB em Caldas ANM A unidade tem ainda várias barragens. Para o Comitê de Bacias Hidrográficas dos Rios Mogi Guaçu e Pardo, a preocupação maior é com a barragem de rejeitos, onde estariam depositados mais de 2 milhões de m³ de rejeitos, incluindo Torta II, mesotório (produtos radioativos derivados do tório) e estéril (detritos) retirado da mina. Pelo menos duas barragens estão sob atenção. A barragem de rejeitos saiu do nível 1 de emergência, em 2024, e, atualmente, está em nível de alerta, após a INB comprovar a estabilidade e segurança da estrutura, e a chamada de D4, que foi construída como bacia de decantação e reclassificada como uma barragem em 2023, devido à mudança nos regulamentos dos órgãos fiscalizadores. Ela está no nível de emergência 1. Outra questão a ser cuidada é a água da cava (poço deixado pela extração de minério) que fica contaminada porque entra em contato com rochas que têm materiais radioativos. A INB analisa como tratar e gerenciar este passivo. Uma das opções é reduzir o volume armazenado para evitar risco de transbordamento em épocas de chuva forte. INB finaliza 1ª etapa de demolição para descomissionamento da unidade em Caldas, MG Divulgação/INB Segundo a INB, o projeto de descomissionamento e remediação ambiental pode levar de duas a três décadas, com um orçamento estimado de R$ 688 milhões. Este prazo é somado aos últimos 30 anos que a mina permanece improdutiva. Na época do fechamento, a regulação ambiental e os requisitos formais de licenciamento ainda estavam em formação no Brasil, o que atrasou o processo de descomissionamento. A legislação do setor só foi criada em 2022. Diante da falta de regulamentação para o seu desmonte, a unidade passou as últimas décadas apenas fazendo controle, gestão de passivos ambientais e remediação de impactos, como o tratamento de águas ácidas e o monitoramento radiológico. Além da desmontagem de estruturas e destinação dos resíduos, o descomissionamento envolve inventário e gestão de fontes contaminantes e áreas contaminadas; além de remediação ambiental e recuperação de áreas e monitoramento radiológico e ambiental contínuo. Mesmo com a demora do processo, Tygel considera o licenciamento para o descomissionamento uma resposta positiva para o município de Caldas. "A gente convive, há muitas décadas, com esses riscos de contaminação por radioatividade. Gera uma angústia, uma ansiedade. Ficamos muito felizes quando soubemos que tinha sido, finalmente, licenciado o descomissionamento. Foi uma notícia fantástica porque, mesmo demorando, nós somos pacientes. O problema é a indefinição. Agora, nós continuamos com risco, mas com uma ideia de que tem um caminho a ser trilhado, com valores e prazos. Foi um alívio muito grande", diz o ambientalista. A fase final do descomissionamento é o destino do terreno onde funcionava a mina para outros usos que podem variar entre uso restrito e reaproveitamento controlado. Sua finalidade, porém, dependerá de planos a serem aprovados pelos órgãos ambientais e de segurança nuclear. “Além de sua importância produtiva, a operação em Caldas deixou lições valiosas sobre a gestão de rejeitos, o controle de drenagens ácidas e a necessidade de incorporar o planejamento do descomissionamento desde a fase de projeto. Esses aprendizados influenciaram significativamente as práticas e normas vigentes no Brasil para a mineração e para as instalações nucleares. O seu descomissionamento é considerado um caso de referência, tanto pela sua complexidade quanto pela articulação entre múltiplos órgãos reguladores”, analisa a INB. Infográfico - onde fica a antiga Mina de Caldas arte/g1 Veja mais notícias da região no g1 Sul de Minas